
Carlos Sato
art workstation

CONFLITO GEOGRÁFICO
É difícil, para o observador, saber até que ponto se pode confiar no futuro imediato de um artista muito jovem quando ele apenas oferece seu talento inquieto e multiforme.
Carlos Sato é uma dessas peças colocada, assim de repente, no tabuleiro do xadrez.
É também um privilegiado ao ter, atrás de si, a confiança de seus muitos colecionadores em Londrina, Paraná, de onde chega e outros aqui de São Paulo. O Spazio Pirandello em São Paulo inaugurou com ele, a galeria de artes visuais propriamente dita depois do sucesso da
mostra de fotos de Vania Toledo.
Aos 21 anos, autodidata, Carlos Sato, nissei paranaense, é um jovem artista colocado, por si mesmo e pelo destino, entre a caligrafia mais tradicional do Oriente e a sensualidade incontidamente tropical do Brasil.
Sua obra atual é, assim, uma mistura muito lírica de um abstracionismo caligráfico com incursões pela Minimal Art e o figurativismo rebelde de quem descobre e quer registrar, com muita pressa, toda a sensualidade contida nas pessoas e natureza do Brasil.
Nessa mistura, nesse conflito geográfico, ele nos oferece obras onde é nítida a expansão do abstrato indo de encontro com o contraído figurativismo.
No duelo circulam e convivem gatos, harpias, corujas, cavalos, todos estranhamente abraçados em posições fetais. Acima de tudo isso, sempre muito marcante e indispensável, está o circulo que Sato disfarça em Sol.
A técnica é mista (guache, nanquim, tinta acrílica) e os animais, sempre desconfiados, têm um olhar que se desloca, invariavelmente, para a esquerda.
Ainda apenas um desenhista Sato é entretanto, um artista completo. Na sua obra atual, ele deixa claro que sabe dominar tanto o traço de um desenho solto e vigoroso, quanto a cor e seus tons inter¬mediários.
Se quiser, ele ainda pode se tornar um excelente ilustrador e é certo que teria êxito na publicidade. O voto de confiança está sendo dado por todos nós que, publicamente, acreditamos nele. Algo me diz que num futuro não superior a uma década , esses atuais desenhos serão um marco divisor na obra de um artista que veio para ficar.
São Paulo, 13 de julho de 1980
Olney Kruse
(Membro da ABCA - Associação Brasileira de Criticas de Arte)
TERRA VERMELHA – Arte e natureza na linguagem de Carlos Sato
Não há como entender e fruir com a arte de Carlos Sato senão por meio da experimentação, aliada aos conceitos e posturas intrínsecas ao campo expandido da arte em sua relação com a vida e com o cotidiano. Uma arte integrada com a natureza como pretendida pelas muitas vertentes da filosofia oriental. Que não apenas é vivida e experimentada pelo artista, mas que se faz também na proposta de ser vivida e experimentada pelo expectador. No artista ela se dá de maneira velada, em anos de uma interativa convivência com seu objeto de trabalho: a vida ela mesma. Como resultado, ela só é feita — como tudo que a mente humana é capaz de abarcar — de fragmentos desta vivência, suas imagens, suas formas, e, com muito esforço, sua essência. É aí (e somente aí) que deveríamos acreditar ser possível haver uma arte abstrata. Que já não é abstração somente por sua síntese enquanto forma, mas também em suas premissas mais elementares, seus signos linguísticos, seus índices remetidos a uma totalidade maior, sempre fora da própria arte, sempre em relação com a vida que transcorre inapreensível no curso de sua totalidade, e que por isso mesmo nos escapa.
A exposição Terra Vermelha parte da trajetória do paranaense Carlos Sato que tem em seu trabalho uma forte ligação com a terra, remetendo-se às suas raízes na zona rural de Londrina, no norte do Paraná. Oriundo de uma família de criadores, Sato vivenciou desde a infância a relação com cavalos, motivo de haver composto uma extensa obra onde a forma do animal e outros signos de seu cotidiano se transmutam entre imagens figurativas e abstratas, reveladoras da presença do corpo físico e da sensibilidade envolvidas na relação com estes seres.
Mais do que uma mera convivência, a escolha do artista, quando já adulto, por retratar cavalos, é resultado do aprendizado e da introjeção de características que vão da forma plástica a coreografia precisa de gestos aplicados durante o adestramento, em meio a lugares, objetos e paisagens de seu entorno. Aspectos que podem ser explicitados nos desenhos e fotografias diretamente inspirados nesta vivência, mas que vão além, aprendidos na tradição do homem do campo ou trazidos do profundo atavismo que o sangue e a cultura orientais imprimiram no artista. Dentro desta cosmologia, a relação com os cavalos é síntese de sabedoria e conhecimento a respeito do homem e do mundo ao redor.
Aos 51 anos de idade, é o próprio Sato quem nos conta algo desta experiência:
“o que aprendi com e sobre cavalos foi com uma pessoa simples do meio rural cuja profissão era ‘domador’ mas já com métodos não violentos. Foram 3 anos de aprendizado aos finais de semana. Sua metodologia contém fortes indícios do que hoje podemos ver em estudos científicos como técnicas de não violência, compreensão e interatividade. Mas me considero sobretudo um aluno iniciante, pois quanto mais se conhece do universo eqüino e da nossa relação com ele mais nos damos conta de quão grande ele é. Fui aluno dedicado, fiz descobertas, fui levado a não pensar, fui levado pela intuição e pelo instinto. O que pretendo agora com meu trabalho na natureza e nas artes é dar continuidade a esse aprendizado. Cavalos são como uma obra de arte que possui vida.”
A exposição é composta de fotografias, esculturas e uma instalação feita com a terra própria da região paranaense, e também acompanhada da trilha sonora especialmente criada pelo músico Sidney Giovenazzi, outro artista londrinense “de coração”. Tudo isso apresentado como meio de exaltação da força telúrica que há tempos vem sendo tratada na arte brasileira, entre outros, por mestres como Mario Cravo, mas que em Carlos Sato vai além, como síntese de uma miscigenação cultural mais ampla, passível também de referências arregimentadas — ainda que inconscientemente — na tradição artística e filosófica de suas raízes imemoráveis orientais.
São Paulo, 13 de junho de 2013
Gilberto Habib Oliveira
Curador
TERRA VERMELHA
A cidade de Londrina, no Paraná, pode ser reconhecida como um celeiro de artistas de diversas áreas: músicos, atores, poetas e artistas plásticos. Carlos Sato, nascido e criado no interior daquela região — alcunhada de “terra vermelha” pela cor do solo fértil que lhe é característica — é um dos expoentes nas artes visuais que mantém em seus trabalhos a memória da paisagem, das sensações e da vida do lugar. Estabelecido em São Paulo há cerca de quatro anos, onde, por ausências e contrastes, seus temas e afeições ganham maior relevância, o artista desenvolveu uma série de trabalhos em diversos suportes e linguagens para dar valor ao que, no homem urbano, é cada vez mais raro e distante da natureza.
Descendente de japoneses, a formação cultural de Sato é marcada pelas experiências vividas junto à família, às pessoas do campo e, em particular, pela criação de cavalos. É desse repertório imagético que ele extrai os signos de sua obra, seja como imagem fotográfica, gesto pictórico ou forma escultórica. Fruto da mistura cultural em que se vê inserido, entre o rural e o urbano, o formal e o conceitual, o sensorial e o racional, o ocidental e o oriental, enfim, no trânsito deste sem fim de possibilidades que tão somente a condição de “brasileiro” lhe permite, sua obra se faz sem pudores retóricos, mas de expressões espontâneas e, sobretudo, de atavismos.
A exposição Terra Vermelha, agora apresentada no Espaço Cultural Correios, em Salvador, é assim, uma exaltação a força telúrica, há tempos inaugurada na arte brasileira por mestres como Mario Cravo, mas que em Carlos Sato vai além, como síntese de uma miscigenação cultural mais ampla, passível também de referências arregimentadas — ainda que inconscientemente — na tradição artística e filosófica japonesa. Composta de fotografias, esculturas e uma instalação feita com a terra própria da região paranaense, ela é também acompanhada da trilha sonora especialmente criada pelo músico Sidney Giovenazzi (outro artista londrinense “de coração”), para mostrar ao público soteropolitano um pouco de beleza e poesia, continuidades e descontinuidades, que o tempo e a memória são capazes de criar por meio da arte.
São Paulo, 13 de junho de 2013
Gilberto Habib Oliveira
Curador
SATO: NA ENGENHARIA DA SUA ARTE, EXPRESSÕES MULTIFACETADAS.
SATO, um artista autodidata, filho da “terra vermelha”, norte do Paraná, sempre trilhou seus caminhos entre a indagação,
elaboração e os desafios que a vida artística impõe ao artista. Talentoso, aos treze anos de idade inicia desenhando com
pincéis orientais, aventurando-se também em entalhar madeiras com inscrições simbólicas, onde a fauna e a flora que
sempre acompanharam a sua vida estão presentes no seu trabalho. Grande parte da sua infância, vivida nas fazendas de
café e de gado leiteiro dos seus avós em Londrina, certamente influiu na sua vida artística.
Quando iniciou o seu curso de
Engenharia em Lins-SP, Sato teve a certeza de que os traços ortogonais e os rígidos cálculos trigonométricos não eram o seu
caminho, pois a sua liberdade criativa e a descoberta do mundo pela arte pareciam estar sendo ofuscadas pela Engenharia.
Não teve dúvida, após três anos, abandonou o curso e, desde então, tem se dedicado às artes visuais. Seja elaborando
desenhos a tinta nanquim, entalhando ou pirografando em madeira, trabalhando com largos pincéis sobre as telas gigantes
ou produzindo esculturas iluminadas em metal ou madeira, a tridimensionalidade se firmou como uma forte tendência ante
seus olhos e pensamentos desafiadores. Passa a produzir obras escultóricas públicas, como a que realizou por ocasião do
cinquentenário da Sociedade Rural do Paraná, sediada em Londrina. Na subjetividade da sua arte, o texto e o contexto
interagem com uma exuberância surpreendente, porém charmosa e discreta, onde o ponto e o contraponto se superpõem.
A fotografia sempre foi também uma de suas múltiplas paixões. Quando abandonou o curso de Engenharia estava em contato
com o pintor japonês Kumassaka, mestre de Manabu Mabe. Frequentando e convivendo com Kumassaka, a sua certeza em
trilhar o caminho artístico se firmou de forma irreversível.
Vivendo durante muito tempo na fazenda de seu avô ou à beira-mar em Florianópolis, costumava ser visto andando de bike
por essas cidades. Este “menino mestiço”, “garoto prodígio”, ou o “homem criança”, cheio de vida, irradia energia
criando cadeiras com sucatas de alumínio fundido ou de ferro. Recentemente, teve um encontro com Tomie Ohtake
em um almoço na sua residência. Da Tomie, recebeu estímulos para “... trilhar sem medo e com muita determinação o seu
caminho pela arte da vida, dedicando-se integralmente e com zelo às várias oportunidades e fronteiras desconhecidas que
ainda surgirão em sua vida”.
Atualmente, vivendo em São Paulo, tem trabalhado intensamente de forma disciplinada e ousada todos os dias, onde seus
horizontes se fixaram nos múltiplos caminhos da arte. Já expôs em vários espaços, não somente em Londrina como em
outros espaços alternativos, públicos ou privados do país. O seu dia-a-dia na metrópole paulista é muito agitado, entre
tintas, pincéis, fotografias experimentais, esculturas ainda em elaboração, ferros retorcidos aguardando acabamento ou
mesas de madeira de grandes dimensões entalhadas e espalhadas pelo seu ateliê.
Sato já experimentou muitos caminhos abertos pela arte, desafiando a gravidade em algumas esculturas, como as realizadas
em decorações de Natal, elaborando de forma original figuras suspensas e iluminadas, muito desafiadoras e admiradas por
todos. Sato já trabalhou com cascas de madeira, fibras de rami, cordas e sisal, criando cenários inspirados na floresta
amazônica e animais coloridos tridimensionais que compuseram alguns de seus trabalhos realizados para as festas carnavalescas, decorando clubes e ruas destinadas aos desfiles.
Algumas de suas expressões: “... a arte tem que fazer parte do dia a dia...” , “ ... pois sem o mergulho do homem na arte, como
também a arte desafiando o cotidiano como um importante caminho do ser " , “...a vida fica sem sentido e sem cor”.
O filósofo Kant, afirmava que o “juízo do gosto” sempre “precedia o prazer” obtido a partir do “objeto” estético.
Minimalismo, figurativismo tropical, gestos orientais ou fora dos “ismos”, Sato, “fruto da terra vermelha” londrinense já
firmou a sua marca na delirante e desvairada metrópole paulista. Olney Kruse, fotógrafo, jornalista e crítico de arte que
atuou no Jornal da Tarde de São Paulo, escreveu uma crítica sobre o seu trabalho, quando Sato tinha 21 anos e expôs na
inauguração do “Spazio Pirandello” em São Paulo, profetizou: “Sato pode tornar-se um excelente ilustrador, como também
ter êxito na publicidade”. Realmente, Sato fez diversos trabalhos para publicitários como também ilustrou painéis, cartazes,
folders, etc., ampliando a sua multiplicidade de experimentos e trabalhos artísticos.
Esse profissional autodidata, de prodigiosa arte, sempre aceitou desafios como artista visual, como designer, como
fotógrafo, como escultor, realizando com habilidade a sua diversidade artística. Os desafios ou dificuldades da técnica
nunca foram obstáculos para Sato que, com alegre e despretensiosa ironia provoca o espectador com surpresas cada vez
mais distintas e ousadas. Nas expressões de Sato “... a arte é uma coisa louca... quando você se envolve, lapida sua alma...
uma situação atemporal... o trabalho me realiza como um ser...”.
Como observou um dos maiores intelectuais brasileiros, o poeta e literata Haroldo de Campos, “... entender a arte entre o
horizonte do provável...”, pode ilustrar a arte desse artista brasileiro de raiz japonesa, mas de expressão bem brasileira, na
sua antropo-arquitetura artística.
Londrina, 20 de março de 2012
Yoshiya Nakagawara Ferreira.
Professora universitária e pesquisadora.